sábado, 9 de novembro de 2013

Conversa

- Pôxa... você só fala das coisas erradas que eu faço...?

- Em todos os nossos relacionamentos estabelecemos pactos. O que um amigo meu chama de "normas de convivência".

Nestes pactos se estabelecem expectativas mínimas. Como, por exemplo: guardar a garrafa de água de volta na geladeira.

Podemos, eventualmente, esquecer de guardá-la, mas isto somente é aceitável quando é eventualmente. Quando isto passa a ser frequente, eu tenho que reclamar sempre que acontece.

Assim como há coisas que não são aceitáveis que aconteçam nenhuma vez, e eu também tenho que reclamar sempre que elas acontecem.

Em meu trabalho, por exemplo, eu tenho que cumprir com certas exigências mínimas. Posso ter feito tudo certo, mas se eu não cumprir com estas tais exigências, o meu trabalho não foi bem feito....

- Mas... pôxa... Não podemos mudar isto?!?! O mundo assim é muito chato!!!

- Como disse, sempre estaremos ligados um pacto. Podemos renegociá-lo. Volta e meia, estamos renegociando nossos pactos. Mas sempre existirão limites. Limites que nós mesmos também exigimos quando os afetados somos nós.

Imagine que você contrate um tradutor, e esse tradutor nunca traduza totalmente bem o textos que você dá a ele. Você não procuraria outro tradutor? Ou, digamos que você contrate um advogado para defender uma causa sua, e esse advogado, com frequência, não compareça às audiências. Você o manteria, ou trocaria por um outro?

- Mas e se o carro do advogado capotar, ou outra coisa grave aconteça?

- Estes são os chamados "motivos de força maior". Nos contratos, que são uma forma clássica de se estabelecerem pactos, sempre existe uma cláusula de força maior. Isto, porque é de entendimento geral que, nestes casos, não podemos julgar os rompimentos do pacto da mesma forma que em condições normais. Então estes casos são tratados diferentemente. Seria desumano se não o fossem.

Pois bem... Você está aprendendo violão. É muito legal isto. Claro que eventualmente, ou frequentemente, você comete erros. Como forma de lazer: maravilha! Mas se você quiser tocar numa banda, você simplesmente não pode errar! Ninguém quer pagar para ouvir uma música tocada mais ou menos. Você pagaria?

Então, se você quer tocar na banda tem que se dedicar muito ao violão. Simplesmente, não há alternativa. Não há como pensar que isto possa ser diferente, não? Esta exigência não é desumana. Simplesmente "é" assim, e eu não vejo como mudar este "pacto".

Na matemática, você pode errar um sinal de menos, mas não deveria levar o ponto completo da questão. Afinal de contas, o jogo é jogado com esta regra. Dá para se equivocar num sinal de menos? Dá... Mas não dá para esquecer o sinal de menos em 40%, 50%, ou mais das questões. Aí, simplesmente não é aceitável.

Quando a escola te cobra isto, ela não está criando um ambiente artificial de "chatices dos estudos". A escola está te cobrando o que a vida vai te cobrar (e que você também cobra da vida, quando você é quem está "do outro lado do balcão"). Não será se livrando da escola que você se livrará disto...

E o que acontece quando a gente não consegue cumprir com o pacto?

Em meu trabalho eu vejo casos disto. Tem, por exemplo, aquele que simplesmente "não está nem aí". Tem aquele que por mais que você tente ensinar, a pessoa não consegue aprender.

Claro que você vai tentar estender uma mão. Vai tentar estimular quem não está muito animado. Vai tentar ensinar ao que tem dificuldades, mas, como tudo, há limites. E quando, por mais que se tente, a pessoa não atende aos requisitos?

O desinteressado vira "café com leite": "deixa fulano fazer o basiquinho dele lá... o que ele sabe é carimbar papel". O outro, vira "coitadinho": "não exige muito que ele se enrola todo... Ele é gente boa, mas é muito burrinho... Coitado...". Ou passa a ser rotulado de débil mental, ou de louco, ou de outro tipo de classificação de gente que não dá pra cobrar muito.

E aí, estas pessoas vão ficar onde estão. Não vão progredir. Na hora das "missões especiais" elas não serão chamadas. Não podem almejar aumentos se salário. Correm mais riscos de serem despedidas. Etc.

Quando eu parar de reclamar que você não guardou a garrafa d'agua de volta na geladeira, é porque eu terei colocado você na categoria de "coitadinho". Que "não adianta... Ele não é capaz de agir diferentemente, por mais que ele tente...". Eu me recuso a colocar você nesta categoria e vou continuar reclamando. Não estarei fazendo bem nenhum a você se eu agir de forma diferente.

(Eu te amo. Te amo muito. Conte comigo, sempre.)

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