Chegamos
ao ano 2000
(Escrito para, e lido na, reunião de família que fizemos dias depois do dia 31 de dezembro)
Chegamos
ao ano 2000. Comemorou-se isto à meia noite do dia 31 de dezembro
passado. Ou deveria ter sido à 1 hora da manhã por causa do horário
de verão?
Duas
mil voltas completas da Terra em torno do Sol desde que Cristo
nasceu. Em que momento, nosso grãozinho nave mãe completou as 2000
voltas? Há 2000 ou 2004 anos atrás? Deveríamos ter celebrado há
nove dias, ou neste momento?
Rigorosamente
não importa.
A
vida, uma vez superado o patamar da sobrevivência material, ponto a
partir do qual nada é rigorosamente necessário, se orienta através
de símbolos.
Quanto
à nossa sobrevivência física, não escolhemos o que temos que
fazer para mantê-la, contudo, uma vez vivos, influenciamos o curso da
vida conforme os símbolos que construímos e cultuamos. Quanto mais
ricos os símbolos, e quanto mais fortemente compartilhados, mais
rica a vida.
Chamo
a todos, para que aqui, e neste momento, elevemos os nossos corações,
para celebrar, para elaborar um símbolo importante: “a chegada do
ano 2000”, através de outro mais importante: “a família” –
“o reveillon da nossa família”.
Não
o pudemos fazer no momento em que todos o fizeram, mas este momento é
para mim tão forte quanto aquele em que os fogos desenhavam o céu,
e eu elevei meu pensamento para a minha família, para o nosso
passado, para a memória de papai, e imaginei que o desejo de todos
nós era esta estarmos juntos, inclusive com ele.
Celebramos
o símbolo do marco do ano 2000. O símbolo do início de uma nova
era, de uma era na qual não boiamos imponderáveis em uma nave
espacial, como imaginávamos. O símbolo de um ponto que foi tão
distante no tempo, e que de repente chegou. Chegou tão rápido
quanto a vida passa, deixando a sensação muito distante do tempo em
que vivíamos sob um mesmo teto, numa família.
Buscando
interpretar os tempos de agora, talvez se possa dizer que celebramos
o rompimento de uma barreira simbólica no tempo, rumo a um novo
tempo, no qual o ser humano surpreenderá a si próprio com o que
será capaz de fazer materialmente. O que estiver na cabeça das
pessoas é o que possivelmente acontecerá, aliás o século 20
provou isto ao 19. Senão tanto, celebramos ao menos termos
sobrevivido ao futuro (ou ao símbolo coletivo dele).
Como
o futuro é tão perto, e o passado tão distante ... é como se na
escala do tempo, um metro para trás fosse maior do que um metro para
frente ...
Me
lembro da foto preto e branco, colada hoje na porte da minha
geladeira ... magrinho, pequenino, de camisa do Botafogo (a final de
contas nossa família adotou este símbolo, e eu me orgulhava disto),
sandália franciscana, e a tão criticada meia branca.
Lembro-me
da foto da Ana, tentando segurar aquela imensa bola de basquete, em
Petrópolis ... d’aquela foto com os rostinhos do Sérgio, do Beto
e do Duda, que sempre esteve no quarto de nossos pais.
Mamãe
cruzou o tempo irradiando o carinho que tanto me equilibrou.
Neste
momento, reunido em família, nesta confraternização, confluímos
dois ícones fortíssimos: o do passado e o do futuro. Me alegro por
ter esta oportunidade, por este reencontro, por este repensar. E se
na noite do dia 31 felizmente pude estar com meu irmão Roberto e sua
família, hoje posso estar com todos, com muita intensidade, como se
hoje fosse o antes, no amplo sentido deste paradoxo.
Para
terminar, é importante ser mencionado novamente, que infelizmente,
sentimos a ausência do convidado de honra desta festa. Ele que
sempre sonhou com esta data, que mais faria questão de nos ver
reunidos, e que nos manteve, de uma forma ou de outra, unidos até
então.
Pai,
esteja em paz onde estiver. Nós o amamos. Feliz eternidade!
Mamãe,
irmãos e sobrinhos, feliz ano 2000!
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